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O CONHECIMENTO, A INSTRUÇÃO E A APRENDIZAGEM

  • Foto do escritor: Marcelo Augusti
    Marcelo Augusti
  • 10 de jun.
  • 6 min de leitura

Atualizado: 15 de jun.

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Você não tem que ver todo o caminho, mas apenas dar o primeiro passo. Quando você começar a caminhar, então o caminho aparecerá (Rumi)


Parece bem real a todos nós, que a vida de cada pessoa consiste apenas em resolver problemas. Se não o tempo todo, pelo menos, na maior parte do nosso tempo, é o que estamos tentando fazer: resolver problemas.


Um problema surge quando nos deparamos com um obstáculo em nossa vida. Esse obstáculo pode ser um objeto físico ou uma circunstância que se contrapõe à nossa estabilidade e conforto.


Um problema, assim, é aquilo que está à frente, e que se constitui em uma dificuldade ao qual temos que encontrar uma saída, uma solução prática. Por exemplo: se me falta dinheiro, posso trabalhar, mendigar, pedir emprestado.


Sem dúvida, a falta de dinheiro poderá acarretar em preocupações e ansiedades, e quanto mais se prolonga esse problema, mais se exigirá do nosso empenho para resolvê-lo.


Porém, se não tenho dinheiro e dele necessito para me alimentar, me vestir, ter uma moradia e uma vida de relativo conforto e segurança, isso é um problema que pode ser resolvido na praticidade do dia-a-dia, sem que isso se torne um sofrimento.


Um problema, entretanto, seja qual for, se torna um sofrimento, quando se instala em nós uma questão psicológica. E uma questão psicológica somente se instala quando nos deparamos com uma contradição e entramos em conflito.


Por exemplo, se tenho dinheiro o bastante para uma vida de estabilidade e conforto, porém, sem nenhuma necessidade, desejo ainda mais, seja por vaidade ou pela ilusão do poder, isso pode se tornar uma questão psicológica.


Ou seja, se já possuo o que necessito, mas isso ainda não me satisfaz, estarei colocando um obstáculo que dificulta a relação entre o mundo exterior e o mundo interior, ou seja, entre aquilo que é a realidade e aquilo que penso que ela deveria ser. Estabelece-se, assim, uma contradição e deflagra-se o conflito.


O conflito abala o mundo interior. Posso tornar-me infeliz ou invejoso, pois verei que outros têm mais dinheiro do que eu, posso considerar que vivem uma vida melhor do que a minha. Desejo o poder que suponho que eles têm e eu não.


É isso que faz dos problemas uma questão psicológica - a contradição entre o que é e o que eu quero que seja e o conflito disso decorrente - cuja origem é a percepção equivocada do mundo exterior.


O dinheiro foi apenas um exemplo. Pois, qualquer coisa pode ser um problema e se transformar em uma questão psicológica: nossos relacionamentos, nosso gênero, idade, classe social, ideologia política, profissão, etc.


Um problema é sempre algo do mundo exterior, algo que necessita ser resolvido; e se pretendemos resolvê-lo, é um desafio às nossas competênciasEnquanto permanece sem solução, o problema é um obstáculo que gera dificuldades práticas.


Mas uma questão psicológica é algo do mundo interior, e que pode provocar séries perturbações cognitivas e emocionais. Se essa questão se transforma em algo rotineiro, ela arruína a paz interior e afeta a tranquilidade do mundo exterior, pois seu impacto reflete-se tanto no tratamento que damos a nós mesmo, quanto às pessoas e seres ao nosso redor.


Geralmente, problemas podem ser resolvidos pelo conhecimento e pela instrução; as questões psicológicas, todavia, somente pela aprendizagem. Então, o que vem a ser conhecimento, instrução e aprendizagem?


Conhecimento é todo o saber que acumulamos na memória, originado de nossas experiências de vida, e que estão disponíveis em nossos arquivos para quando dele necessitarmos.


Instrução é todo saber alheio, que é passado para nós, por outrem, para que possamos repetir o que foi ensinado. A instrução é um conhecimento sem profundidade, algo especificamente técnico. É um ‘passar adiante’ uma explicação sobre como fazer algo.


Os dois casos, conhecimento e instrução, referem-se a um ‘saber fazer’. Por exemplo, por experiência no fazer, posso saber como desmontar e montar uma bicicleta. Ou posso ser instruído no tema e, pela repetição do ‘passo a passo’, fazer o que foi ensinado.


Não é necessário estudos teóricos, debates ou reflexões sobre como ‘saber fazer’; uma vez adquirida a experiência ou as instruções necessárias, basta aplicar o conhecimento ou repetir as informações técnicas ensinadas.


Logo, se dominamos uma técnica ou se temos experiência em algo, seremos capazes de resolver problemas. Se temos instrução e conhecimento, é porque ‘sabemos fazer’ algo. Esse ‘saber fazer’ é o que nos permite resolver os mais diversos problemas que surgem em nossa vida.


Mas aprendizagem é mais do que esse ‘saber fazer’ automatizado; pois, quando aprendo sobre algo, apreendo esse algo, isto é, compreendo-o em sua amplitude e profundidade. Ou seja, quando me dedico em ‘saber’ algo, o ‘saber’ disso decorrente é livre de tendências e imposições alheias, e modifica-me interiormente.   


Aprendizagem, portanto, é um processo cognitivo e afetivo que implica em mudança de atitude e transformação do comportamento; é, pois, o resultado da interação entre estruturas e funções mentais e a dinâmica do meio em que se vive. É a transformação do mundo interior que impacta em mudanças no mundo exterior.


Todo ser vivo traz em si o potencial da aprendizagem. No caso dos humanos, cada indivíduo, desde que livre para pensar e agir, pode controlar o seu próprio destino, a partir de escolhas conscientes.


Problemas se resolvem 'tirando-os do caminho'. Mas o que significa resolver uma questão psicológica? Resolver, do latim ‘re-solvere’, significa “soltar, desfazer”. Por sua vez, ‘solvere’ tem origem indo-europeia, cujo significado é “desatar”.


Os três verbos (soltar, desfazer, desatar), indicam que algo deve ser liberto. O sentido disso é “deixar ir”. Sim, pois uma questão psicológica apenas se resolve “deixando-a ir”. Quanto mais nos fixamos nela, maior o sofrimento.


Yoga é a aprendizagem desse “deixar ir”. Estar instruído nos métodos e técnicas do yoga levam ao conhecimento desse saber. Mas, conhecimento e saber, aqui, é vydia, que significa "aprender algo que liberta".


O yoga nos liberta dos equívocos ocasionados pelas contradições que dão origem às questões psicológicas. Tais contradições, por sua vez, são causadas pelos erros de percepção da realidade.


As questões psicológicas apenas se instalam em uma mente sem controle. O Yoga Sutras afirma que há cinco estados mentais (chitta-bhúmí): disperso (kshipta chitta), apático (mudha chitta), parcialmente focado (vikshipta chitta), plenamente focado (ekagra chitta) e tranquilo (niruddha chitta).


O estado mental da maioria das pessoas é disperso ou apático. Quando um problema surge, o estado mental torna-se parcialmente focado, pois estamos buscando a solução; porém, logo que a encontramos, retorna-se aos dois primeiros.


As questões psicológicas, entretanto, somente são dissolvidas nos estados mentais focado e tranquilo. É por meio do ‘esforço dedicado’ (tapas) e pela prática da meditação que se estabelecem os estados mentais focado e tranquilo.


A perseverança à prática da meditação é o que estabelece o foco ou ‘manter a mente fixa em um único ponto’ (ekágratá). É neste estado mental que eliminam-se todas as distrações e condicionamentos, que implicam em tendências e padrões de comportamentos reiterados.


A mente é um fluxo contínuo de pensamentos e imagens. Uma mente agitada é uma torrente de pensamentos e imagens. É esse fluxo torrencial que obscurece a percepção correta da realidade, e faz dos problemas, questões psicológicas - que, por vezes, são quase insuperáveis (por exemplo, os diversos tipos de traumas, os preconceitos enraizados, os vieses cognitivos).


Porém, quando o fluxo psicomental desintegra-se em ekágratá, abre-se uma brecha no tempo - o "espaço sagrado" entre um e outro pensamento. Eis, então, que a luz da consciência refulge triunfante, pois agora “tudo está” (sarvárthatá) conforme a realidade, e percebo claramente as coisas como elas são.


Estar em consonância com a realidade é o estado da mente tranquila. É somente em niruddha que emerge a paz interior ou o ‘percebimento do silêncio’ (samadhi-parinãma). Não há mais contradições e conflitos entre o mundo interior e o mundo exterior.


A mente assim modificada, isto é, cuja torrente foi contida, impacta a qualidade de nossas ações, eliminando as tendências e os padrões de comportamento gerados ou fortalecidos pelas questões psicológicas.


A aprendizagem pelo yoga, portanto, opera tanto no nível estrutural quanto funcional da mente. A mente tranquila sabe como resolver todos os problemas, sem ser por eles afetada. Quando surge um problema, ele não deixa marcas, não gera tendências. E mesmo que haja recorrência, não se instala uma questão psicológica.


O yoga possibilita uma aprendizagem indispensável, pois trata de remover as contradições, eliminar os conflitos e “desatar os nós” das questões psicológicas que assolam a paz interior.


Com seus métodos e técnicas, o yoga nos ensina a dar o primeiro passo. E não precisamos saber ou fazer tudo. Pois, a partir do primeiro passo, cada um encontrará, por sua própria dedicação e constância, o caminho da aprendizagem.


Yoga: aprenda, não sofra, deixe ir.


Hari Om Tat Sat.

 

Um problema é toda coisa que não compreendemos completamente, qualquer que seja a coisa, e isso se torna uma questão psicológica a ser resolvida. Estamos interessados em descobrir como surge um problema dessa natureza. Ora, por certo, um problema surge quando há em mim uma contradição, um conflito. Se não há contradição ou conflito em nenhum nível, não há questão psicológica alguma a resolver (Jiddu Krishnamurti)

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